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Baterista de rock e inspirada por Margaret Thatcher: Quem é Sanae Takaichi, primeira mulher premier do Japão

Nesta terça-feira, 21 de Outubro, Sanae Takaichi venceu uma eleição histórica para se tornar a primeira mulher eleita para ser primeira ministra do Japão, atingindo o auge de uma ascensão política improvável e um marco em uma nação onde as mulheres há muito lutam por influência.

Atualmente com 64 anos, Takaichi cresceu perto da antiga capital japonesa de Nara e desafia rótulos fáceis. Já falou abertamente sobre os desafios de ser mulher na política japonesa, mas agora lidera o Partido Liberal Democrata (PLD), uma sigla tradicional, dominada por homens.

Expressou preocupação com a dependência do Japão em relação aos Estados Unidos, mas também afirmou desejar trabalhar de perto com o presidente americano, Donald Trump. É baterista amadora e idolatra bandas como Iron Maiden e Deep Purple, mas veste ternos azuis em homenagem a outra de suas heroínas: a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.

Profundamente ligada ao ex-primeiro de Shinzo Abe, o qual por mais tempo governou o Japão e que foi infelizmente assassinado em 2022, a nova primeira ministra deve conduzir o país mais à direita, em resposta a uma recente onda populista que guarda semelhanças com o movimento político de Trump. Ela defende políticas duras em relação à China, promove o discurso de que “o Japão está de volta”, minimiza as atrocidades cometidas pelo país durante a Segunda Guerra Mundial e promete regulamentar mais rigidamente a imigração e o turismo.

— Ela quer tornar o Japão forte e próspero para o povo japonês e para o mundo — disse Yoshiko Sakurai, jornalista e ativista proeminente que apoia Takaichi. — Ela é aberta ao mundo exterior, mas também entende que precisamos ser bons japoneses: conhecer nossa cultura, tradições, filosofia e história.

Takaichi enfrentará agora seu maior teste, lidando com a nova incerteza na aliança militar e econômica entre Japão e Estados Unidos. Espera-se que ela se reúna na próxima semana, em Tóquio, com Trump, que tem causado apreensão entre autoridades japonesas com tarifas e sugestões de que o país pague mais pela presença das tropas americanas na região.

Política mas baterista?

O entusiasmo da premier conservadora por rock pesado não morreu com o passar dos anos — ou com sua guinada conservadora. A mídia japonesa afirmou que Takaichi tem uma bateria elétrica, e que costumava tocar com tanta intensidade que levava quatro baquetas, para ter um par reserva, caso quebrassem.

Em uma entrevista recente a um youtuber japonês, a nova premier afirmou que costuma tocar para aliviar o estresse, sobretudo quando discute com o marido — o também político conservador Taku Yamamoto.

— Eu toco depois que ele dorme — brincou durante uma entrevista.

Infância simples

Enquanto muitos políticos japoneses vêm de círculos ricos e elitizados, Takaichi teve uma infância modesta na província de Nara, uma área repleta de templos, santuários, florestas densas e colinas verdejantes. Sua mãe trabalhava no departamento de polícia e seu pai, em uma fábrica de autopeças.

Motoko Shimada, amiga de infância de Takaichi, lembrou-se da colega de tranças que compartilhava onigiri caseiros (bolinhos de arroz com alga marinha) e omeletes com colegas que haviam esquecido suas marmitas durante uma excursão escolar.

— Ela era muito sorridente e reservada — disse Shimada. — Não tinha essa imagem de mulher forte. Mas percebia quando alguém não se encaixava ou estava com dificuldades, e ajudava.

Desde jovem, Takaichi parecia consciente das pressões enfrentadas pelas mulheres japonesas. Sua mãe lhe dizia para ser uma “rosa carmesim”, recordou ela em uma biografia de 2024 escrita por Eiji Ohshita — pedindo que “mantivesse a graça feminina, mas tivesse os espinhos para enfrentar injustiças”.

Universidade e começo na política

Seus pais a pressionaram para cursar a Universidade de Kobe, uma instituição pública a cerca de 80 km de sua cidade natal, embora ela tivesse sido aceita em universidades particulares de elite em Tóquio. Disseram que ela não precisava de ensino superior por ser mulher, segundo Takaichi relatou em entrevistas, e queriam economizar para apoiar o irmão mais novo.

Após se formar, ingressou no Instituto Matsushita de Governo e Gestão, uma renomada escola de formação para jovens políticos e líderes empresariais. No fim da década de 1980, interessou-se pelos Estados Unidos — principal concorrente econômico do Japão na época — e conseguiu um estágio no gabinete da então deputada democrata Patricia Schroeder, do Colorado, uma feminista convicta.

Takaichi havia se emocionado com o discurso comovente de Schroeder, em 1987, ao anunciar que não concorreria à Presidência. Enviou-lhe um telegrama, encorajando-a a tentar novamente algum dia e oferecendo ajuda.

Em Washington, Takaichi era uma presença enérgica, fazendo inúmeras perguntas sobre o funcionamento interno do Congresso e da política externa americana — e desenvolvendo um gosto por manteiga de amendoim. Na época, não demonstrava nenhuma inclinação conservadora em temas de defesa ou pautas sociais, disse Andrea Camp, ex-assessora de Schroeder.

Sanae Takaichi conversa com parlamentares após sessão em que foi apontada como nova premier do Japão — Foto: Philip Fong/AFP
Sanae Takaichi conversa com parlamentares após sessão em que foi apontada como nova premier do Japão — Foto: Philip Fong/AFP

De volta ao Japão, Takaichi trabalhou como autora e personalidade de TV, conquistando fama como debatedora combativa. Em 1993, iniciou sua carreira política, vencendo a eleição para o Parlamento como independente por Nara, com uma plataforma de reforma política. Seu pai usou suas economias de aposentadoria para financiar a campanha.

Aliança forte e tradicional

Nos primeiros anos no Parlamento, ela formou uma duradoura aliança com Abe, um político de família tradicional e visão nacionalista. Os dois compartilhavam ideias sobre o aumento dos gastos militares e sobre dar um tom mais patriótico aos livros didáticos.

Quando Abe foi eleito primeiro-ministro pela primeira vez, em 2006, nomeou Takaichi para o Gabinete, tornando-a uma das mulheres mais visíveis na política japonesa. Ele a reconduziu ao cargo em 2012, no início de seu segundo mandato, que durou oito anos. Takaichi tornou-se uma defensora ferrenha de suas políticas — incluindo a revisão da Constituição japonesa para libertar as Forças Armadas das restrições do pós-guerra — e de seu programa econômico, baseado em estímulos e crédito farto.

Takaichi tentou convencer Abe a se candidatar novamente em 2021, mas ele recusou. Quando ela entrou na disputa, ele a apoiou:

— A senhora Takaichi é a verdadeira estrela dos conservadores — disse Abe à época.

Ela perdeu aquela eleição e uma nova tentativa em 2024. Quando Abe foi assassinado em frente a uma estação de trem em Nara, durante um discurso de campanha, Takaichi ficou devastada. Disse então que “nunca havia se sentido tão abatida física e mentalmente”.

“Tenho que trabalhar muito a partir de hoje”, escreveu nas redes sociais. “Caso contrário, teria de me desculpar com ele”.

Margaret Thatcher

Yukitoshi Arai, ex-cabeleireiro de Takaichi em Nara, ajudou a criar o corte de cabelo curto que se tornou sua marca registrada. Ele disse que queria deixar visíveis seus olhos e orelhas, para mostrar que ela via e ouvia as pessoas que encontrava. Segundo ele, Takaichi preserva as qualidades típicas da região de Kansai: humor e humildade. Certa vez, presenteou-a com um xampu que, segundo dizem, Margaret Thatcher havia usado durante uma visita a Tóquio.

— Não acho que ela seja uma ‘dama de ferro’ — disse Arai, referindo-se ao apelido dado pela imprensa britânica a Thatcher. — Ela tem o jeito de uma mulher de Kansai.

Após sua vitória neste mês na eleição pela liderança do PLD, Arai enviou uma mensagem à ex-cliente lembrando-a de cuidar da saúde.

Takaichi respondeu dois dias depois: “A batalha começa agora”, escreveu. (Com AFP e NYT)

Relação com realidade dos estrangeiros

Takaichi ascende com um perfil nacionalista e conservador, em um momento em que o Japão vê crescer o número de turistas e residentes estrangeiros, e as tensões sobre imigração entram no debate político. O tema foi colocado por ela entre suas pautas principais, propondo a criação de um centro de comando liderado diretamente pelo primeiro‑ministro para cuidar de questões relacionadas a estrangeiros.

Apoiadores do Sanseito durante evento em julho, em Tóquio. — Foto: Reuters via BBC

Apoiadores do Sanseito durante evento em julho, em Tóquio. — Foto: Reuters via BBC

Em sua campanha no PLD, levantou a acusação — com base em relatos não verificados — de que turistas chutaram cervos no Parque de Nara, considerados sagrados na cultura japonesa. Políticos da oposição criticaram a fala, acusando Takaichi de fomentar a xenofobia.

Em entrevista ao jornal Asahi Shimbun na véspera da eleição para comandar o PLD, ela defendeu que, ao propor um maior controle sobre estrangeiros, está respondendo a preocupações da população sobre segurança e respeito à cultura local. “Se o público está genuinamente se sentindo angustiado quanto a isso, precisamos encontrar um caminho para resolver essas preocupações. Não tem a ver com xenofobia ou exclusão.”

O conjunto de políticas econômicas conhecido como Abenomics, implantado em 2013 para tirar o país da estagnação econômica, não conseguiu acabar com as diferenças de renda. Muitos japoneses não têm visto aumento em sua renda nos últimos 30 anos e ainda vivem em situações econômicas difíceis. Com o sentimento de insegurança sobre o futuro, os estrangeiros se tornaram um alvo fácil de críticas, o que fez com que a ideia de “prioridade para os japoneses” fosse aceita.

Alta de estrangeiros

Dados de junho de 2025 divulgados pela Agência de Imigração revelam que o número de estrangeiros no Japão (com vistos temporários ou permanentes) aumentou 5% em relação ao ano anterior, totalizando 3,96 milhões de pessoas — mais de 3% da população total.

O Brasil, que chegou a ocupar a terceira posição, forma hoje o sétimo maior grupo, com cerca de 211 mil residentes. O ranking é encabeçado pelos chineses (900 mil), seguidos de vietnamitas (660 mil), coreanos (409 mil), filipinos (349 mil), nepaleses (273 mil) e indonésios (230 mil).

Mesmo com essa crescente diversidade, muitos estrangeiros relatam casos de discriminação sofridos no cotidiano.

Um trabalhador brasileiro que prefere não se identificar, engenheiro de automação industrial que vive no Japão há nove anos, relata ter enfrentado resistência para alugar um imóvel — apesar de ser filho de um japonês, ser fluente no idioma e trabalhar em uma multinacional europeia.

“Só depois de cinco recusas, consegui uma casa. Se os japoneses não mudarem essa mentalidade etnocêntrica, o país não conseguirá avançar”, diz ele, que prefere não divulgar seu nome completo por receio de discriminação.” – relata o brasileiro

Com o aumento do turismo e da presença de imigrantes, também cresceu a desinformação nas redes sociais. Mensagens infundadas alegando que “estrangeiros cometem mais crimes”, “recebem privilégios indevidos” ou “não pagam impostos” têm se multiplicado, alimentando um sentimento anti-imigração em parte da população

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